Pesquisadores de países latino-americanos – incluindo o Brasil – e europeus publicaram um artigo (Global environmental changes: setting priorities for Latin American coastal habitats) na revista "Global Change Biology" no qual dão uma série de recomendações para o desenvolvimento de uma agenda científica e política sobre os impactos das mudanças ambientais e climáticas globais e regionais em ecossistemas costeiros marinhos na América Latina.
De acordo com os autores, na região há uma grande variedade de habitats bentônicos (formados por organismos que vivem nos substratos marinhos), muitos dos quais com grande biodiversidade e prioritários para ações de conservação (hotspots). Entre eles, há enormes camadas de rodolitos (recifes de algas calcárias), além de manguezais, bancos de gramíneas marinhas e recifes de coral no oceano Atlântico Tropical com um grande número de espécies endêmicas.
Esses habitats marinhos são extremamente importantes para os moradores de áreas costeiras da América Latina, que dependem da qualidade ambiental marinha para o desenvolvimento de atividades econômicas como a pesca e o turismo. Segundo os autores do estudo, é preciso protegê-los, principalmente em um momento de rápidas mudanças ambientais e climáticas e ante problemas sociais, como a urbanização descontrolada na região, que se somam a pressões como poluição aquática, sobrepesca e perda ou fragmentação de habitats.
“Há vários grupos que estudam os impactos das mudanças climáticas, em especial no Brasil. Mas isso não ocorre na mesma escala em outros países das Américas do Sul e Central”, disse Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) e primeiro autor do artigo. Turra coordena atualmente a Rede de Monitoramento de Habitats Bentônicos Costeiros (ReBentos), apoiada pela FAPESP.
O objetivo do projeto, lançado no início de 2011, é instituir uma rede integrada de estudos dos habitats bentônicos do litoral brasileiro a fim de detectar efeitos das mudanças ambientais regionais e globais sobre esses organismos e iniciar uma série histórica de dados sobre a biodiversidade bentônica na costa brasileira. “A ideia é estabelecer sítios de monitoramento ao longo da costa brasileira, a serem observados durante muito tempo”, explicou Turra. A rede reúne 120 bentólogos de 14 estados brasileiros, voltados ao estudo dos impactos das mudanças ambientais e climáticas em habitats costeiros marinhos.
Na avaliação de Turra e de outros autores do artigo, a ReBentos e outras redes similares na América Latina, como o Grupo Sul-Americano de Pesquisa de Ecossistemas Costeiros (Sarce), representam iniciativas de monitoramento contínuo de habitats de ecossistemas costeiros marinhos que devem ser replicadas em outros países da região, para preencher lacunas críticas no conhecimento sobre o impacto das mudanças climáticas.
“A aplicação sistemática de protocolos padronizados de monitoramento, adaptados para cada habitat, escala, nível de organização e diferentes condições oceanográficas é essencial para documentar a degradação, fragmentação ou perda de habitats costeiros marinhos”, destacam os autores no artigo. “É preciso espalhar essas ações experimentadas e testadas a outros países da região por meio de projetos locais já em curso e construir uma base de dados com acesso aberto a informações sobre o estado atual e previsões de mudanças em habitats em níveis local, regional e global”, indicam.
Segundo os autores do estudo, os esforços iniciais de monitoramento de habitats costeiros devem ser centrados em locais que já sofrem pressões prejudiciais imediatas, como os recifes de coral do Caribe nos quais se registra o branqueamento (morte dos pólipos responsáveis pela formação do recife), associado ao aquecimento dos oceanos.
Já a acidificação (diminuição do pH e aumento da acidez) dos oceanos não só ameaça degradar as maiores camadas de rodolitos do mundo, existentes na costa brasileira, mas pode reduzir a capacidade de organismos marinhos, como crustáceos, mexilhões e ostras, de produzirem conchas – colocando em risco a aquicultura e a segurança alimentar de comunidades ribeirinhas, salientam os autores.
Os pesquisadores fazem a ressalva, no entanto, de que são necessários estudos para comprovar a associação desses problemas ambientais às mudanças climáticas. “Discutimos essas questões teoricamente, porque ainda não temos muita base do diagnóstico inicial – o chamado baseline – dos ecossistemas marinhos para entender como eles eram e constatar as mudanças pelas quais passam. Por isso, precisamos acompanhar esses organismos por muito tempo”, disse Turra.
Outra preocupação dos especialistas é o impacto de eventos climáticos extremos – que tendem a ser mais frequentes com as mudanças climáticas globais – sobre ecossistemas marinhos (como manguezais) com papéis importantes na proteção da linha de costa, sujeitas ao regime de marés e à energia das ondas.
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