maio 08, 2013





Hidrelétricas podem afetar sistema hidrológico do Pantanal



O projeto de construção de mais 87 Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) na Bacia do Alto Paraguai, em discussão atualmente, pode afetar a conectividade do planalto – onde nasce o rio Paraguai e seus afluentes – e a planície inundada do Pantanal – por onde as águas desses rios escoam –, dificultando o fluxo migratório de peixes e outras espécies aquáticas e semiaquáticas pelo sistema hidrológico. O alerta foi feito por pesquisadores durante o terceiro evento do Ciclo de Conferências 2013 do BIOTA Educação, que teve como tema o Pantanal. O evento foi realizado no dia 18 de abril, na sede da FAPESP.
De acordo com José Sabino, professor da Universidade Anhanguera-Uniderp, o impacto das PCHs já existentes na região da Bacia do Alto Paraguai não são tão grandes porque, em geral, baseiam-se em uma tecnologia denominada “a fio d’água” – que dispensa a necessidade de manter grandes reservatórios de água.
A somatória das cerca de 30 PCHs existentes com as 87 planejadas, no entanto, pode impactar a hidrologia e a conectividade das águas do planalto e da planície da Bacia do Alto Paraguai e dificultar processos migratórios de espécies de peixes do Pantanal, alertou o especialista. “A criação dessas PCHs pode causar a quebra de conectividade hidrológica de populações e de processos migratórios reprodutivos, como a piracema, de algumas espécies de peixes”, disse Sabino.
Durante a piracema, o período de procriação que antecede as chuvas do verão, algumas espécies de peixes, como o curimbatá (Prochilodus lineatus) e o dourado (Salminus brasiliensis), sobem os rios até as nascentes para desovar. Se o acesso às cabeceiras dos rios for interrompido por algum obstáculo, como uma PCH, a piracema pode ser dificultada. “A construção de mais PCHs na região do Pantanal pode ter uma influência sistêmica sobre o canal porque, além de mudar o funcionamento hidrológico, também deve alterar a força da carga de nutrientes carregada pelas águas das nascentes dos rios no planalto que entram na planície pantaneira”, disse Walfrido Moraes Tomas, pesquisador do Centro de Pesquisa Agropecuária do Pantanal (CPAP) da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), no Mato Grosso do Sul, palestrante na conferência na FAPESP.
“Isso também poderá ter impactos nos habitats de espécies aquáticas ou semiaquáticas”, reiterou Tomas. De acordo com o pesquisador, o Pantanal é uma das áreas úmidas mais ricas em espécies do mundo, distribuídas de forma abundante, mas não homogênea, pela planície pantaneira. Alguns dos últimos levantamentos de espécies apontaram que o bioma possui 269 espécies de peixes, 44 de anfíbios, 127 de répteis, 582 de aves e 152 de mamíferos.
São necessários, no entanto, mais inventários de espécies para preencher lacunas críticas de conhecimento sobre outros grupos, como o dos invertebrados – sobre os quais ainda não há levantamento sobre o número de espécies –, além de crustáceos, moluscos e lepidópteros (ordem de insetos que inclui as borboletas), que ainda são pouco conhecidos.
“Uma iniciativa que vai nos dar uma grande contribuição nesse sentido será o programa Biota Mato Grosso do Sul, que começou ser implementado há três anos”, disse Tomas. Inspirado no BIOTA-FAPESP, o programa Biota Mato Grosso do Sul pretende consolidar a infraestrutura de coleções e acervos em museus, herbários, jardins botânicos, zoológicos e bancos de germoplasma do Mato Grosso do Sul para preencher lacunas de conhecimento, taxonômicas e geográficas, sobre a diversidade biológica no estado.
Para atingir esse objetivo, pesquisadores pretendem informatizar os acervos e coleções científicas e estabelecer uma rede de informação em biodiversidade entre todas as instituições envolvidas com a pesquisa e conservação de biodiversidade do Mato Grosso do Sul.
“Começamos agora a fazer os primeiros inventários de espécies de regiões-chave do estado e estamos preparando um volume especial da revista "Biota Neotropica" sobre a biodiversidade de Mato Grosso do Sul, que será um passo fundamental para verificarmos as informações disponíveis sobre a biota do Pantanal e direcionar nossas ações”, disse Tomas. “Diferentemente do Estado de São Paulo, que tem coleções gigantescas, Mato Grosso do Sul não dispõe de grandes coleções para fazermos mapeamentos de diversidade. Por isso, precisaremos ir a campo para fazer os inventários”, explicou.
Segundo Tomas, das espécies de aves ameaçadas, vulneráveis ou em perigo de extinção no Brasil, por exemplo, 188 podem ser encontradas no Pantanal. No entanto, diminuiu muito nos últimos anos a ocorrência de caça de espécies como onça-pintada, onça-parda, ariranha, arara-azul – ave símbolo do Pantanal – e jacaré.
E não há indícios de que a principal atividade econômica da região – a pecuária, que possibilitou a ocupação humana do bioma em um primeiro momento em razão de o ambiente ser uma savana inundada com pastagem renovada todo ano – tenha causado impactos na biota pantaneira. “Pelo que sabemos até agora, nenhuma espécie da fauna do Pantanal foi levada a risco de extinção por causa da pecuária”, afirmou Tomas. Já a pesca – a segunda atividade econômica mais intensiva no Pantanal – pode ter impactos sobre algumas espécies de peixes.
Isso porque a atividade está focalizada em 20 das 270 espécies de peixes do bioma pantaneiro, em razão do tamanho, sabor da carne e pela própria cultura regional. Entre elas, estão o dourado, o curimbatá, a piraputanga (Brycon hilarii), o pacu (Piaractus mesopotamicus) e a cachara (Pseudoplatystoma fasciatum) – um peixe arisco e raro, encontrado apenas em rios como Prata e Olho D’água, que pode chegar a medir 1,20 metro e pesar 40 quilos. “Há indícios de que, pelo fato de a pesca no Pantanal ser direcionada a algumas espécies, a atividade possa reduzir algumas populações de peixes”, disse Sabino.
Além de Sabino e Tomas, o professor Arnildo Pott, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), de Campo Grande, também proferiu palestra, sobre a origem, evolução e diversidade da vegetação do Bioma Pantanal. 
Os pesquisadores também chamaram a atenção para o fato de que, atualmente, apenas cerca de 5% do Pantanal está protegido por unidades de conservação. E que muitas das espécies de animais da região, como a onça-pintada, a ariranha e a arara-azul, por exemplo, não são protegidas efetivamente, porque ficam fora dessas unidades de conservação. “A conservação de espécies ameaçadas no Pantanal requer estratégias mais amplas do que apenas a implantação ou gestão das unidades de conservação”, destacou Tomas. “São necessárias políticas de gestão de bacias hidrográficas e de remuneração por serviços ecossistêmicos para assegurar a conservação de espécies ameaçadas.”
Organizado pelo Programa BIOTA-FAPESP, o Ciclo de Conferências 2013 tem o objetivo de contribuir para o aperfeiçoamento do ensino de ciência. A quarta etapa será no dia 16 de maio, quando o tema será “Bioma Cerrado”. Seguem-se conferências sobre os biomas Caatinga (20 de junho), Mata Atlântica (22 de agosto), Amazônia (19 de setembro), Ambientes Marinhos e Costeiros (24 de outubro) e Biodiversidade em Ambientes Antrópicos – Urbanos e Rurais (21 de novembro). 
Estudo propõe monitoramento dos ecossistemas costeiros marinhos

Pesquisadores de países latino-americanos – incluindo o Brasil – e europeus publicaram um artigo (Global environmental changes: setting priorities for Latin American coastal habitats) na revista "Global Change Biology" no qual dão uma série de recomendações para o desenvolvimento de uma agenda científica e política sobre os impactos das mudanças ambientais e climáticas globais e regionais em ecossistemas costeiros marinhos na América Latina.
De acordo com os autores, na região há uma grande variedade de habitats bentônicos (formados por organismos que vivem nos substratos marinhos), muitos dos quais com grande biodiversidade e prioritários para ações de conservação (hotspots). Entre eles, há enormes camadas de rodolitos (recifes de algas calcárias), além de manguezais, bancos de gramíneas marinhas e recifes de coral no oceano Atlântico Tropical com um grande número de espécies endêmicas.
Esses habitats marinhos são extremamente importantes para os moradores de áreas costeiras da América Latina, que dependem da qualidade ambiental marinha para o desenvolvimento de atividades econômicas como a pesca e o turismo. Segundo os autores do estudo, é preciso protegê-los, principalmente em um momento de rápidas mudanças ambientais e climáticas e ante problemas sociais, como a urbanização descontrolada na região, que se somam a pressões como poluição aquática, sobrepesca e perda ou fragmentação de habitats.
“Há vários grupos que estudam os impactos das mudanças climáticas, em especial no Brasil. Mas isso não ocorre na mesma escala em outros países das Américas do Sul e Central”, disse Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) e primeiro autor do artigo. Turra coordena atualmente a Rede de Monitoramento de Habitats Bentônicos Costeiros (ReBentos), apoiada pela FAPESP.
O objetivo do projeto, lançado no início de 2011, é instituir uma rede integrada de estudos dos habitats bentônicos do litoral brasileiro a fim de detectar efeitos das mudanças ambientais regionais e globais sobre esses organismos e iniciar uma série histórica de dados sobre a biodiversidade bentônica na costa brasileira. “A ideia é estabelecer sítios de monitoramento ao longo da costa brasileira, a serem observados durante muito tempo”, explicou Turra. A rede reúne 120 bentólogos de 14 estados brasileiros, voltados ao estudo dos impactos das mudanças ambientais e climáticas em habitats costeiros marinhos.
Na avaliação de Turra e de outros autores do artigo, a ReBentos e outras redes similares na América Latina, como o Grupo Sul-Americano de Pesquisa de Ecossistemas Costeiros (Sarce), representam iniciativas de monitoramento contínuo de habitats de ecossistemas costeiros marinhos que devem ser replicadas em outros países da região, para preencher lacunas críticas no conhecimento sobre o impacto das mudanças climáticas.
“A aplicação sistemática de protocolos padronizados de monitoramento, adaptados para cada habitat, escala, nível de organização e diferentes condições oceanográficas é essencial para documentar a degradação, fragmentação ou perda de habitats costeiros marinhos”, destacam os autores no artigo. “É preciso espalhar essas ações experimentadas e testadas a outros países da região por meio de projetos locais já em curso e construir uma base de dados com acesso aberto a informações sobre o estado atual e previsões de mudanças em habitats em níveis local, regional e global”, indicam.
Segundo os autores do estudo, os esforços iniciais de monitoramento de habitats costeiros devem ser centrados em locais que já sofrem pressões prejudiciais imediatas, como os recifes de coral do Caribe nos quais se registra o branqueamento (morte dos pólipos responsáveis pela formação do recife), associado ao aquecimento dos oceanos.
Já a acidificação (diminuição do pH e aumento da acidez) dos oceanos não só ameaça degradar as maiores camadas de rodolitos do mundo, existentes na costa brasileira, mas pode reduzir a capacidade de organismos marinhos, como crustáceos, mexilhões e ostras, de produzirem conchas – colocando em risco a aquicultura e a segurança alimentar de comunidades ribeirinhas, salientam os autores.
Os pesquisadores fazem a ressalva, no entanto, de que são necessários estudos para comprovar a associação desses problemas ambientais às mudanças climáticas. “Discutimos essas questões teoricamente, porque ainda não temos muita base do diagnóstico inicial – o chamado baseline – dos ecossistemas marinhos para entender como eles eram e constatar as mudanças pelas quais passam. Por isso, precisamos acompanhar esses organismos por muito tempo”, disse Turra.
Outra preocupação dos especialistas é o impacto de eventos climáticos extremos – que tendem a ser mais frequentes com as mudanças climáticas globais – sobre ecossistemas marinhos (como manguezais) com papéis importantes na proteção da linha de costa, sujeitas ao regime de marés e à energia das ondas.